domingo, maio 31

Segundos Eternos - Parte 6

Tudo começou casualmente, e então se tornou algo sério, algo irrevogável.

De vez em quando ele pensava nisso. Quando eles estavam juntos ele pensava nisso sempre e depois que eles se separaram, não mais.

Agora ele se via com os mesmos pensamentos de antes.

Ela tinha voltado.


Do hospital ele foi internado em uma clínica de reabilitação. 30 dias e estaria livre.
Agora só faltavam 20. E ela vinha todos os dias, dirigindo o carro dele emprestado, porque o lugar era afastado da cidade.

Mas ela vinha e tinha sempre um sorriso, sempre aquela bondade.

Nos primeiros dias foi difícil, é claro. Ele nem sabia onde estava, ou quem ele era.
Depois ele voltou a reconhcê-la.
Ela não desistiu. Ela vinha e eles conversavam.


E quando ele ficava sozinho, ele pensava.
Ele revia cada cena. Se ele não a tivesse culpado pelo que aconteceu, nenhuma daquelas outras coisas terríveis teriam acontecido. Mas será que ele tinha culpa de ter pensado aquelas coisas?
Ele ficou ressentido, ele ficou com raiva.
Talvez a raiva fosse de Deus e ele simplesmente descontou nela.

E isso não estava certo. E ele resolveu que falaria tudo pra ela.


Era uma manhã de domingo e fazia sol.
Ela chegou e tomaram o café da manhã juntos.
Estavam sentados em um banco nos jardins, quando ele a fitou e reuniu toda a coragem de que dispunha.
Eu quero que você saiba de uma coisa. E o que é?. Naquela época eu... Por favor, esquece essas coisas. Não, eu quero que você saiba que eu te culpei quando você sofreu o aborto mesmo sabendo que foi por causa daquele seu desmaio.

Ele falou muito rápido e abaixou os olhos. Não queria olhar pra ela.
Mas não resistiu, e viu que ela fitava algum ponto do outro lado do jardim.

Eu sei e eu te culpei por muito tempo, mas agora eu acho que isso não é importante mais. Então você me perdoa?.

Ela olhou pra ele novamente com aquele sorriso que era a coisa que ele mais amava e aqueles olhos brilhantes.

Sim, somente se você esquecer isso. Eu esqueço, então.

E ele pensou que se lembraria daquele sorriso pra sempre.


Depois ela teve que ir embora, porque como sempre não era permitida a permanência muito prolongada de visitantes.
Mas ela voltaria no dia seguinte, como sempre, e naquela noite ele dormiu e, pela primeira vez em meses, não teve nenhum sonho, nenhum pesadelo.


No outro dia ela não apareceu. Ele perguntou na recepção se havia algum recado, e a moça disse que não.
Aquilo não era bom. Ele precisava dela, ela tinha que estar ali.

Durante a tarde ele foi ficando cada vez mais tenso, até que, depois de um sem número de idas à recepeção, e de receber a mesma resposta, seu estado era tão perturbado que a médica encarregada mandou que lhe dessem um sedativo.

E os pesadelos voltaram. Vozes e sombras e um tumulto no quarto, mas ele não conseguia se levantar. Efeito do sedativo. E alguém dizia que ele deveria continuar sedado ou todo o tratamento estaria perdido. E alguém disse que ele não poderia saber. O que ele não poderia saber? Ele queria abrir os olhos e gritar até que houvessem respostas. Mas era tudo um sonho e ele se sentia tão cansado e tão desesperado e lentamente as sombras foram se aproximando novamente até que ele não escutou mais nada.

Ele podia sentir a luz machucando seus olhos por sobre a pálpebra fechada.
Sem abrir os olhos ele se sentou e ficou ali, respirando até se sentir com forças suficientes para se levantar.
Abriu os olhos e foi para o corredor. Estava vazio. No relógio do criado-mudo ele viu que já era tarde e se lembrou de que ela já estaria esperando que ele se levantasse.
Ele saiu e foi até a recepção. Ao vê-lo, a moça assumiu um tom reservado. Quando ele perguntou por ela, a moça pegou o telefone e discou um número qualquer.

Uma enfermeira entrou por uma das portas e lançou um olhar ansioso à recepcionista.

Alguma coisa estava errada. Ele perguntou o que estava acontecendo e nenhuma delas respondeu. A médica encarregada apareceu por onde ele tinha entrado e o segurou pelo braço, chamando até a sua sala.

Ele gritou. Ele queria saber o que estava acontecendo.

A médica fechou a porta, mas eles não estava sozinhos. Dois enfermeiros estava lá, também. Ele estava cada vez mais tenso. A médica pediu que ele se sentasse. Ele continuou de pé e exigiu alguma explicação. Ele queria saber onde ela estava e porque ele não podia vê-la.

A médica começou a falar. E foi breve.


Depois disso ele não lembrava de muita coisa. Algo sobre um acidente, sobre um hospital. Ela estava no hospital. Coma. Sofreu um acidente grave e foi retirada levada às pressas assim que conseguiram retirá-la da ferragens. Coma. Ela precisava dele, de novo, e ele não ia deixá-la sozinha. Não dessa vez. Ele saiu pela porta e queria fugir dali. Precisava fugir.

Mas foi detido. Mãos o derrubaram ao chão e ele tentou se libertar. Mas sentiu a agulha em seu braço e segundos depois tudo era escuridão novamente.