quarta-feira, novembro 11

Sereníssima #3

 Ano 1

Capítulo 3 - Sobre desmaios absurdos.

Estávamos agora encostadas no muro da escola, perto do portão e a Ana olhava pra mim. Discutíamos se era melhor ficar ali e esperar ou ir embora de uma vez, pelo outro lado da rua. Mas não, eu não queria fazer nenhuma das duas coisas, eu queria ficar e escutar. Bem, as pessoas podem ativar seu lado moralista nesse minuto e dizer que isso é invasão de privacidade. Mas eu já discuti isso mentalmente comigo mesma por vários anos e realmente eu não nasci uma pessoa com tantos escrúpulos assim. Logo, eu fui me arrastando pelo muro até conseguir uma boa visão dos dois e comecei a me concentrar. Sem contato visual é difícil, mas não impossível. E eu não corria o risco de desmaiar. A Ana se postou ao meu lado e começou a dar gritinhos histéricos, o que não ajudava em nada. Eu já conseguia escutar as vozes dos dois e alguns pensamentos já estavam próximos. E então, a coisa mais absurda aconteceu: desmaiei.
Digo absurda porque a situação era bem improvável. Longa distância e nenhum contato visual. As pessoas já haviam se dispersado quase totalmente, de modo que duas meninas que passavam ajudaram a Ana a me levantar e fomos pra portaria da escola. Alguma coisa estava errada e o nome da menina era Jane. Então era a Jane do parque, com o Ivan da festa e aquilo pra mim teria terminado ali se não fosse o fato dos meus dois demaios e a observação pertinente da Ana. É certo que a sua tendência a ficar observando avidamente a vida alheia pode ser irritante, mas em muitas horas ajuda. Dessa vez ela fez uma observação bem simples que até eu poderia ter feito se, como eu disse, não estivesse preocupada com meus apagos. nenhum dos dois estava ali há um mês atrás. E como ninguém notara isso? Nenhum comentáriozinho pelos corredores, nenhuma apresentação dos professores, em plena metade do ano? Bem, era estranho, o que não ajudou em nada. Agora além de querer saber porque eu estava desmaiando, queríamos saber de onde eles eram. A Ana disse que tinha um plano, mas eu queria ir embora. Não havia ninguém na rua e eu comecei a andar o mais rápido possível e já ia virando a esquina quando dei de cara com a Jane. Quero dizer, nós literalmente nos trombamos e ela acabou caindo de costas. Apesar de não conseguir enxergar muito bem, fui ajudá-la a se levantar e então a segunda coisa mais estranha aconteceu. Uma enxurrada de pensamentos me invadiu, todos dela, é claro, e só depois vi que ela nem me notara ou reconhecera. Estava chorando. Ela se desculpou e seguiu pela rua da escola. Eu fiquei ali parada sem saber se voltava pra contar à Ana o que tinha visto ou continuava. Por um momento me recostei no muro e analisei os pensamentos dela. Certamente estava triste porque o que quer que houvesse entre eles, um namoro, talvez, havia terminado e fora ela quem fizera aquilo. Algumas outras coisas também vieram, como ela saber meu nome e uma estranha visão dos dois conversando com alguém que eu não conhecia. Deixei essas coisas de lado e fui embora. Contaria tudo à Ana no dia seguinte. Achei estranho que continuássemos tentando descobrir a razão daquelas coisas que tinham acontecido, apesar de que a Ana conseguira colocar seu plano em prática e agora sabia que os dois haviam sido transferidos de alguma escola da capital por motivos obscuros, mas não sabíamos porque ninguém havia notado. Quando aos meus desmaios, parte da técnica era observar algumas pessoas com muito mais intensidade e ver se dava em alguma coisa. É claro que não deu em nada, e eu também não desmaiei mais. Víamos a Jane raramente, pelos corredores ou na biblioteca, mas o Ivan começou a ficar falado entre as meninas, como mais cedo ou mais tarde aconteceria. E então aconteceu a coisa que, com certeza, desencadeou todo o resto: eu e a Ana ficamos amigas do Ivan.